Série “Conhecendo os contratos de Propriedade Intelectual” – Edição 03: Liberdade de Contratação na Propriedade Industrial

Por Daniela Lopes Ferreira
24/07/2023

A liberdade contratual é um tema que permeia todas as relações jurídicas, não sendo diferente com a propriedade industrial. A liberdade contratual tem, por conceito, ser a capacidade de as partes envolvidas em um contrato ou, também, em um conflito, de definir condições do acordo de forma livre e voluntária, desde que estas não violem a lei ou a ordem pública. A aplicação da liberdade contratual permite que as partes negociem os termos e condições de um contrato de acordo com as suas próprias necessidades e interesses. Uma das características da liberdade contratual, que será explorada no presente artigo, é a liberdade de escolha das partes em celebrar contratos em conflitos abarcando a propriedade industrial, mais especificamente, em conflitos marcários.

A liberdade contratual, no âmbito da propriedade industrial, pode ser exercida de diversas maneiras. Um exemplo bastante comum é o licenciamento do uso de uma marca, quando existe a possibilidade de definir as condições em que o licenciado poderá usar a marca – território, prazo, mercado consumidor e termos financeiros – basta haver concordância entre as duas partes dos temas tratados. O foco, por outro lado, é na aplicação da liberdade contratual em conflitos de marcas, principalmente na esfera administrativa, buscando compreender como é a aplicação do instituto e quais são as limitações no âmbito do INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Quando se verifica conflito marcário, ainda na fase de depósito de um pedido de registro, a via contenciosa administrativa mais comum é a apresentação de Oposição ao pedido de registro de terceiro, com argumentos de violação de direito de uso anterior de sinal marcário. Sem diminuir a importância e a necessidade de apresentação de Oposição em diversos casos, existe a possibilidade secundária de optar pela via compositiva da relação jurídica e, assim, firmar um acordo de coexistência de marcas entre os titulares, estabelecendo limites e atuação de cada player no mercado. Os Acordos de Coexistência são elementos subsidiários ao exame do pedido de registro de uma marca, sendo elementos adicionais para formação da convicção quanto à registrabilidade de um sinal marcário. E é justamente por ser uma porta de entrada para negociação frutífera entre duas empresas que o acordo de coexistência deve ser explorado com mais frequência. Existindo a possibilidade de compor extrajudicialmente com outra empresa, tecnicamente concorrente, abre-se a possibilidade de o titular da marca anterior estabelecer limites de atuação de titular com marca similar, propondo aceitar a coexistência ente os sinais, desde que o concorrente se compromete a seguir os limites propostos no acordo. É possível, ainda, estabelecer cláusulas penais de descumprimento do acordado, o que poderia ensejar indenização ao titular.

O próprio Manual de Marcas do INPI reconhece a possibilidade de ter o acordo de coexistência como elemento de convencimento do Examinador quanto à possibilidade de confusão ou associação indevida entre os dois registros. E, ainda, o mesmo Manual de Marcas determina que mesmo diante da existência de acordo, se for julgado inviável o convívio dos sinais analisados, poderá o Examinador formular exigência ao requerente ou ao titular do direito anterior, a fim de que se restrinja o escopo da proteção pretendida, de modo a afastar, suficientemente, o risco de confusão ou associação indevida. Assim, mesmo que a pretensão inicial do acordo de coexistência não se concretize, abre-se possibilidade de o Examinador do INPI solicitar a restrição de atividades nos termos do acordo proposto, por entender que, naquele caso concreto, não haveria prejuízo ao titular de direito anterior.

A liberdade contratual e, mais especificamente, a liberdade de contratar, também se verifica na possibilidade de firmar acordo de renúncia parcial de registro de marca. Isto ocorre quando existem dois registros já concedidos que, porventura, venham a colidir em algumas especificações, mas que o Examinador do INPI entendeu anteriormente pela possibilidade de coexistência entre os registros. A possibilidade de as partes envolvidas comporem acordo e apresentar renúncia parcial de algumas especificações, restringindo os escopos de atuação, para minimizar a sobreposição de atuação, diminui a chance de conflitos posteriores, sendo uma medida positiva a curto e longo prazo.

Por fim, se mostra importante, quando discorrendo sobre a liberdade contratual na Propriedade Industrial, lembrar que o INPI vem realizando mudanças muito positivas no formato de registro e averbação dos contratos sujeitos à competência da autarquia. As medidas adotadas pelo INPI no último ano visam simplificar os procedimentos de averbação, tornando-os menos burocráticos ao requerente, reconhecendo a autonomia privada dos contratantes e, assim, diminuindo a interferência estatal nos acordos dos particulares.

Em suma, a liberdade contratual desempenha um papel fundamental no campo da propriedade industrial, permitindo que as partes envolvidas negociem e estabeleçam acordos que atendam às suas necessidades e interesses. Essas formas de composição extrajudicial oferecem oportunidades para que as empresas resolvam suas divergências de forma colaborativa e evitem litígios prolongados. No contexto dinâmico e em constante evolução da propriedade industrial, a liberdade contratual continua a ser um princípio essencial para promover a inovação e o desenvolvimento econômico.

 

Por Daniela Lopes Ferreira (Advogada do Departamento de Marcas, Direitos Autorais e Contratos da Leão Propriedade Intelectual. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: daniela.ferreira@leao.adv.br)

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